Os jovens na EJA em Angra dos Reis

Leila Mattos Haddad de Monteiro Marinho

O texto a seguir é um recorte da pesquisa de mestrado cujo objetivo foi compreender os sentidos e significados da EJA e da escolarização para os jovens entre 15 e 17 anos.

Um dos fatores que suscitou a pesquisa foi o crescimento do número de jovens na Educação de Jovens e Adultos no município de Angra dos Reis.

Não que o fenômeno fosse uma novidade, mas a partir de 2010 esse quantitativo cresceu sensivelmente, fazendo com que as turmas de EJA de algumas escolas da rede fossem formadas por maioria de jovens a partir de 15
anos.
Esse rápido e considerável aumento na entrada de jovens na EJA suscitou uma série de questionamentos e posicionamentos do grupo de professores, alegando que a presença cada vez maior de jovens na composição das turmas começava a provocar mudanças e até conflitos.

Os jovens trazem para a EJA uma nova forma de relação com a escola. Eles não se afastaram dela como o aluno adulto. Sua relação, muitas vezes difícil, com a escola é recente. Estes jovens não costumam ser passivos em sua relação com a escola, além de trazer interesses diferentes que seus colegas mais velhos. Por todos esses aspectos, a juvenilização incomoda, posto que ela exige uma nova postura, novas abordagens e métodos de trabalho na EJA.

A juvenilização, portanto, constitui-se um ponto de partida para o estudo, o caminho inicial que nos leva as relações entre o jovem e a escola, ou o espaço escolar e a escola enquanto espaço de socialização para além da escolarização.

O crescente interesse pelo tema da juventude no campo da Educação de Jovens e Adultos é proporcional ao crescimento do número de jovens nessa modalidade da educação básica. Os problemas vivenciados em salas de aula com forte presença de jovens estão mais relacionados ao fato de não sabermos como lidar com as expectativas desses sujeitos com relação à escola e à escolarização, com as suas representações do social e com seus hábitos e comportamentos, com sua cultura, enfim. Os modelos de aula e de escola que conhecemos e que esses meninos e meninas também conhecem, não atendem a seus anseios. Por outro lado, os professores esperam dos jovens comportamentos e atitudes que supõem um capital cultural que eles não possuem.

Apreender esses jovens que chegam à escola como sujeito sociocultural implica em superar a visão homogeneizante e estereotipada da noção de aluno, dando-lhe outro significado. Trata-se de compreendê-lo enquanto indivíduo, e para isso, temos de levar em conta a dimensão da experiência de vida de cada um, mesmo os mais jovens.

O que significa a escola para esses jovens?

“Recuperar tudo o que perdi: amigos, o tempo, relação com os meus pais. Desejo avançar nos estudos para alcançar meus amigos que seguiram e conseguir um bom emprego”.

Essa é a resposta de Antonio quando perguntado sobre a importância da Educação de Jovens e Adultos e da escola para a sua vida.

Para Ana a EJA significa poder dar uma vida melhor para seu filho. Segundo ela, “(…) dar um futuro melhor para o meu filho, quero dar educação, quero mostrar para o meu filho o que é certo, o que é errado.”

A importância da escola para a vida e, sobretudo, para o futuro, está muito claro nas palavras desses jovens. O poder simbólico da escolarização é visível e concreto, independente da relação que esses jovens estabelecem com a escola e seu comportamento no interior dela.

Normalmente esses jovens tiveram uma trajetória escolar truncada, cheia de retenções ou abandonos e retornos no meio do caminho. Marcadas pelas provas comuns na vida de jovens, filhos da classe trabalhadora, que, muitas vezes, antecipam a passagem para a vida adulta – trabalho, maternidade, casamento.

Independente dos obstáculos que os levaram a percorrer uma trajetória escolar truncada, o poder simbólico da escola e da escolarização se mantém presente na percepção de cada um sobre sua vida futura.

É importante para esses jovens a conclusão do Ensino Fundamental o mais rápido possível, visto que todos consideram que perderam tempo e precisam recuperá-lo. Fica claro por seus discursos que a certificação ainda tem um peso simbólico para esses jovens, pois está diretamente ligado às possibilidades de alcançar esse futuro.

Embora a escola não atenda seus anseios pessoais, muitas vezes não seja o lugar mais atraente e agradável para se estar, ainda é o único caminho possível para se alcançar os objetivos de uma vida melhor. Melhor significa ter emprego, salário garantido e, portanto, a realização dos sonhos de aquisição material: casa, carro, conforto. Ambição comum a praticamente todos os seres humanos.

As desigualdades sociais, a inadequação da escola à vida e interesses de jovens da periferia não se colocam, para esses sujeitos, como parte das provas que precisam enfrentar para chegar aos seus sonhos e objetivos de uma vida diversa, com melhores condições materiais do que aquelas que seus pais têm ou tiveram.

Para esses jovens, a partir de um imaginário construído socialmente, a escola é o principal suporte para superar essas condições e alcançar outro patamar onde poderão concretizar seus sonhos. Dentro de uma sociedade capitalista, onde sonho se relaciona a ideias de sucesso e dinheiro, para esses jovens não é muito diferente. No entanto, cientes das desigualdades impostas pela sociedade capitalista, suas ambições se dão dentro de projetos de ter uma casa, um emprego e poder dar aos pais e/ou aos filhos uma vida de menos restrições do que aquela que conhecem.

Desprovido de uma consciência crítica, o que orienta suas ambições materiais é a percepção, construída histórica e socialmente, dos limites aos quais a classe trabalhadora está sujeita.

A referência a essas limitações não se trata de menosprezo pelos sonhos desses jovens, mas precisamente de fazer a crítica ao que está imposto por uma sociedade desigual e injusta. Como pesquisadores, e mais do que isso, como professores da EJA, é fundamental refletirmos sobre as condições materiais sobre as quais se realiza o nosso trabalho docente e entender as trajetórias sociais dos alunos(as) e suas lutas pela sobrevivência.

Somos trabalhadores que lidam com a classe trabalhadora e isso exige de nós tratar e perceber esses sujeitos com a amorosidade freiriana, com profissionalismo e sensibilidade para a centralidade da vida, da alimentação, da moradia e do trabalho na condição humana. (Arroyo, 2014 – p. 79).

Enquanto professores da EJA, nosso objetivo precisa estar voltado para tornar significativo o aprendizado e o que aprender para o estar no mundo desses sujeitos. Sem reducionismo, mas direcionado e pautado naquilo que é significativo para esses sujeitos de direito, sujeitos aprendizes.

Referências:
ARROYO, Miguel G. Imagens quebradas: Trajetórias e tempos de alunos e mestres. Petrópolis: Editora Vozes, 2014.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
MARTUCCELLI, Danillo. Lo intercultural ante la prueba de la dinámica entre exclusión e integración social. Revista CIDOB d’Afers Internacionals, núm. 66-67, p. 53-68. Fundación CIDOB, octubre 2004.
MARTUCCELLI, Danillo. La Sociología en los tiempos del Individuo. Entrevista a Rodolfo Martinic y Nicolás Soto.Revista de Estudiantes de Sociología UC,Doble Vínculo Año I N°1. 2010. 125
MARTUCCELLI, Danillo. Lecciones de Sociologia del Individuo. Disponível em:                                                                        Acessado em: 10/01/2014.

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